quinta-feira, 1 de março de 2012

Pequenas doses diárias de preconceito



O post abaixo se referia a um dos cartões postais do Brasil: o carnaval. No mesmo pacote, temos a caipirinha, a feijoada, o futebol e as brasileiras. E como seria definir brasileiras? Putas. Mulheres fáceis. Mulheres que só pensam em sexo. Ficou chocado(a)? Pois infelizmente muitas vezes somos taxadas assim (mundialmente falando). Um estereótipo fruto de um preconceito burro e gigante que nos acompanha até hoje.

Quando fui alugar o quarto na casa do velhinho-mala (cenas dos próximos posts), tive uma das conversas mais surreais de toda a história. Ele veio com o papo de que não alugava quartos para brasileiras (acontece com uma frequência grande), mas que abriria uma exceção para mim. O motivo de não alugar quartos seria porque temos 'hábitos sexuais mais liberais'. Ouvi aquilo e li no rosto de um velho de 82 anos todo o preconceito e discriminação de séculos. Continuando a conversa, ele comentou que uma antiga portuguesa moradora da casa levava o namorado para dormir, mas eu não poderia levar ninguém. Provavelmente pensando que eu faria orgias, bacanais ou então transformasse o apartamento num bordel. E pra fechar o pacote, disse que eu arrumasse mais meninas para dividir o local e que preferencialmente fossem portuguesas. 

Fiquei com o quarto apesar dos sinais claríssimos de que as coisas não dariam certo, como não deram. A gota d'água foi sobre ele achar que eu levava alguém para dormir em casa (surtos da terceira idade). E foi aí que me senti tão indefesa, tão humilhada, tão sem atitude. Ser julgada assim por ter nascido no Brasil é mais que doído, é absurdo. Fiquei pensando no que passam as mulheres negras brasileiras pelo mundo. Fora as romenas, africanas, bolivianas... Meu Deus.

várias histórias de preconceito sofridos por brasileiros/as. Um gay português achou que iria transar no primeiro encontro porque ficou com um brasileiro. Com a resposta negativa, o português justificou: mas você é brasileiro... Outra vez, duas portuguesas e uma brasileira estavam na porta do supermercado quando um homem inconveniente começou a mexer com as três. A brasileira o ignorou e as portuguesas ficaram conversando com o rapaz. Quando ele se foi, a brasileira comentou com as outras sobre a chatisse que havia sido e as meninas na hora justificaram que ele só veio até elas porque a brasileira usava um vestido curto. Nos dois exemplos estamos falando de pessoas com menos de 30 anos. Triste.

É duro pensar que alguns homens portugueses te enxergam como 'presa fácil'. Minha atitude nesses quadros é continuar seguindo meus princípios. Se estiver afim de dormir com alguém, não vou deixar de fazer porque é 'uma conduta sexual liberal'. Já sou grandinha o suficiente pra não dar ouvidos a convenções estúpidas. E tenho o dito.


# Quero deixar explicitamente declarado que adoro Portugal e  que conheci aqui pessoas incríveis, doces, divertidas, conscientes de seu papel no mundo. A ÚNICA pessoa preconceituosa que encontrei foi o senhor referido acima. E que o danoso preconceito não é típico de um país ou de um indivíduo só; é algo que atinge todas as raças, cores, sexos, credos. Cabe a nós diariamente pensarmos nas atitudes, brincadeiras, comentários que fazemos. O preconceito só está a espera de um deslize para vir à tona. Me incluo nessa vigilância também.

5 comentários:

Guilherme Corrêa disse...

E não só esse tipo de preconceito, infelizmente. Já ouvi vários comentários relacionadas à falta de vontade do brasileiro de trabalhar, a deixar tudo pra ser (mal) feito na última hora e até burlar resultados. Tem muito brasileiro mal intencionado por aí que é capaz de fazer coisas do tipo, mas também há muito português, muito espanhol, muito inglês, muito alemão etc.. Falta de caráter não tem nacionalidade, mas ainda vai demorar um pouco pra essa gente preconceituosa conseguir entender isso. :(

Anônimo disse...

Julia, seu comentário reitera um fato ocorrido comigo aqui no Brasil, quando me envolvi com um portugues. Ele estava aqui a passeio, junto com um vizinho meu que morava lá. Muito educado e galanteador, me cortejou durante mais de um mes quando finalmente resolvi ceder aos seus encantos. Ficamos 3 noites juntos e quando ele voltou tentei manter algum contato. Para minha surpresa, todo aquela classe terminou nos primeiros dias apos seu retorno para Portugal. Fui chamada de putana e de outras palavras de baixo calão. Me senti revoltada e surpresa, pois não havia motivos para tais adjetivos. Agora, 7 anos depois, a explicação: sou brasileira!

Cacá Girão disse...

Zuza,

Creio que a experiência de viver o "outro lado" é especialmente edificante. Digo isso porque vivemos diariamente pequenas doses de preconceito. Seja pela cor da camisa, pela opção sexual, pelo veículo que possui, a gravata que não se usa, o sapato não engraxado, pelo saldo da conta bancária... Por todos estes motivos e milhares de outros sofremos e exercemos preconceitos, consciente ou inconscientemente. Porém, este preconceito que você diz experimentar é o que mais dói, simplesmente porque dói na gente um rótulo, impresso pelo preconceito e fixado pela limitação de uma pessoa, uma comunidade ou até de todo um país. Como somos vis, como somos animais com antolhos.
E por que edificante? Porque assim conseguimos não apenas criticar uma conduta, mas vivendo-a com intensidade, saberemos o real significado daquilo que não podemos cometer com nossos semelhantes, seja fixando rótulos falsos, sejam eles verdadeiros que causem este mesmo sentimento a alguém.

Júlia Zuza disse...

Gui, tinha até me esquecido dos outros tipos de preconceito que sofremos. O que me assusta mais é que a quantidade de brasileiros que vieram e vem pra cá já era suficiente para entender que somos um povo como outro qualquer, com bons e maus elementos.

Silvinha, não dá pra dizer que todos os portugueses são preconceituosos como o que você conheceu. Mas existem seres jurássicos assim que nos fazem refletir sobre rótulos, como bem disse o comentário do Cacá.

Cacá, seu comentário foi super pertinente. Depois de sentir na pele é que a gente enxerga o que faz com os outros, se coloca (ou pe colocado) no lugar do outro. Não se sai imune de uma experiência assim e fico feliz com isso.

Paty disse...

Ótimo post, Ju. Acho que todo brasileiro e brasileira vivendo em Portugal tem um relato parecido pra contar! Eu também escutei coisas mas me recuso a acreditar, muitas vezes. Fico contente que tenha se mudado de vez! E aquela visita até o apê aqui, hein? Continuo te esperando, você já está mais que convidada (e mais ainda agora que acredito ter me recuperado de vez da gripe!)

Um beijão! :*